terça-feira, 20 de julho de 2010

Pico (I)

Pela altura que escrevo isto, já voltei do Pico há uns dias, mas ainda não tinha tirado o tempo para escrever qualquer coisa, muito por causa do facto de não ter ainda as fotos que se tiraram nalguns pontos de interesse desta expedição à ilha açoriana que contém o ponto mais alto de Portugal. Antes de mais, agradeço a quem as tirou e mas pôde passar (Guida, Isabel e Paulo Borges).

A viagem para o Pico foi feita – novamente – de barco. Desta feita, a distância a percorrer era menor pelo que não se perdeu assim tanto tempo quanto nalgumas das expedições passadas. Chegados a São Roque do Pico (eu, a Guida e o Joaquin) apanhámos um táxi para a Madalena, na Costa Oeste da ilha. Já tinha ouvido dizer que a floresta laurissilva no Pico até está melhor que noutras ilhas, mas já estava à espera de encontrar uma floresta de baixa altitude muito degradada, com muitas plantas exóticas e invasoras (incenso, pinheiros, etc.). Bem, chegados à Madalena, instalámo-nos em mais 1 hotel de 4 estrelas: são os “ossos” do ofício… A Isabel Amorim e o Paulo Borges juntaram-se à comitiva umas horas depois da nossa chegada, ainda a tempo de jantar.

Como não anotei o dia-a-dia no bloco de notas, já não me lembro bem do que aconteceu em cada dia, mas as várias zonas de trabalho consistiram nos Mistérios da Prainha, no Caveiro e no Chão Verde. O 1º destes locais trata-se de um dos locais mais perigosos de todo o Bala II, já que é uma zona de fendas de lava, onde cada passo é uma armadilha e se parte uma perna com facilidade, além disso meter pitfall aqui torna-se um bocado cansativo, devido à falta de terra (musguinho é amigo!). Este foi logo o 1º, que é para despachar. As árvores nesta paisagem rugosa de lava não são muito exuberantes, e pouco se encontrava ali além dos Juniperus brevifolia (cedro-do-mato), Ilex perado (azevinho), Vaccinium cylidraceum (uva-da-serra) e Erica azorica (urze ou vassoura para os nativos).

Já no Caveiro, apanhámos uma floresta muito mais alta e exuberante, e num dos dias, até uma boa dose de sol. Aqui os vários tons de verdes do Laurus azorica dominavam a paisagem e observam-se muitos exemplares da planta semiparasita do Juniperus brevifolia, o Arceuthobium azoricum (fotografado aqui em S. Miguel pelo Pardal) e ainda dois fetos raros que existem nos Açores e Madeira de nome Diphasiastrum madeirense e Elaphoglossum semicylidricum. Ambos os transectos do Caveiro foram relativamente (bota relativamente nisso!) fáceis de aviar, restando só os batimentos de 1 deles para fazer mais tarde, quando o tempo o deixasse.

Um dos pontos de maior interesse em toda a expedição foi quando nos deslocámos ao Pico da Urza, uma pequena caldeira a Este do Pico (monte). Aqui parámos para procurar escaravelhos Tarphius, para o trabalho da Isabel. Como estes malandros são xilófagos e gostam de troncos de Euphorbia stygiana, andámos a parar em vários locais durante a semana para tentar encontrar os ditos. Ora, como se trata de uma planta rara, quando há Euphorbias não há normalmente muitas, mas na caldeira do Pico da Urze estas são relativamente densas, pelo que tive a oportunidade de estar numa pequena floresta de Euphorbia stygiana! Fantástico! Uma viagem ao passado, quando todos os Açores estavam cobertos de uma floresta contínua de laurissilva…

De Tarphius é que nada, infelizmente. O único local onde encontrámos os ditos foi na Reserva da Lagoa do Caiado, onde a minha técnica destrutiva de recolha de Tarphius se tornou bastante proveitosa e popular na recolha dos pequenos beetles endémicos. Inclusivamente, no final da semana o chefe estendeu-me a estadia para ficar a ajudar a Isabel na recolha dos Tarphius.







Quanto a isto, tenho a dizer que 2 em 5 não é nada de fabuloso, mas o requisito mínimo foi alcançado. No final de um destes dias, ainda passámos na Casa de Montanha, onde fomos averiguar se seria possível subirmos o Pico no dia seguinte, de manhã. A mulherzinha disse-nos que no dia seguinte não se fariam subidas, devido a piores condições meteorológicas. Nisto, chega um grupo de bombeiros, para ir resgatar um acidentado que se encontrava aos 1500 m de altitude (a casa de montanha está aos 1200). A Isabel desafiou-me para irmos atrás deles, e depois de termos autorização, lá fomos. No início a subida puxou um bocado, porque começa de uma forma íngreme e começou-me a dar a bronquite, mas foi só encontrar o ritmo e lá subimos um bocadito. Estávamos já nos 1600 metros quando quando a maquineta que nos dão servindo de emissor de sinal GPS e de telefone começou a apitar! Os malandros da casa de montanha viram que já tínhamos passado a altitude permitida e lá nos disseram para começar a descer. Se é verdade que sabíamos que não iríamos até lá acima, também o é que ficámos um pouco tristes com a descida forçada. Ainda assim, pudemos observar uma bela vista sobre a encostas Oeste do Pico, com realce para a grande quantidade de vulcões que se podem avistar dali (como disse a Isabel, parece que aquilo foi um gigante que, quando isto era feito de plasticina, andou a meter os dedos) e também a vista sobre o Faial. A subida até ao Piquinho ficará para outra vez. Reminder: dizer à Sandra para me trazer os batons.

Quanto à vertente gastronómica, o ponto forte foi ter provado o cavaco, crustáceo muito parecido com a lagosta, mas mais saboroso. Se o leitor for ao Pico e estiver na Madalena, recomendo O Ancoradouro como casa de pasto. Queijinho muito bom nas entradas e ninguém alguma vez saiu desgostoso com a sua refeição. A experiência mais alternativa foi ter provado cortume (será que é assim que se escreve?), uma espécie de pickle feito com as folhas carnudas de Chritmum maritimum: não era horrível, mas também não me satisfez lá muito bem, 2 em 5 valores.

Nota ainda para a paisagem de património mundial da Unesco, da vinha dos Açores. Nas zonas costeiras do Pico, encontram-se muitos terrenos com pequenos quadradinhos de pedra, que contêm apenas 2 ou 3 pés de videira cada. Infelizmente, alguns destes terrenos estão completamente abandonados, o que é uma pena… Chega-se ao ponto em que o facto de ser paisagem protegida não influencia, de facto, a sua protecção e manutenção.

Na terça-feira dia 20, de manhã, lá fui de volta para a Terceira. Uma pequena viagem de mais ou menos 30 minutos. Voltarei ao Pico daqui a uma semana para ir recolher os pitfall.

Ah! E já me esquecia de contar o episódio insólito da expedição: ora, num destes dias acordo, abro o cortinado, e dou com um saco de adubo (vazio) na varanda!!! Humm, como não sabia o que lhe havia de fazer e tinha de ir para baixo tomar o pequeno-almoço, deixei-o estar. O episódio por esta altura ainda não tinha entrado bem na minha mente pelo que lá ficou. O curioso é que as senhoras da limpeza devem ter achado que o saco era de alguma forma, meu, e portanto toca a dobrar o dito bem dobradinho debaixo da mesinha de cabeceira… Ao fazer o check-out perguntei aos senhores se alguém sabia alguma coisa de um saco de adubo, mas ficaram todos surpreendidos, não mais do que eu certamente… O saco de adubo acabou por se tornar numa das piadas desta expedição.

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