sábado, 7 de novembro de 2009

Myrtilis

Desloquei-me ao Alentejo profundo com o objectivo de ajudar a colega Joana Seta no trabalho de campo da sua tese de mestrado. Foi até agora a minha viagem mais longa como driver, correu tudo bem na estrada. Aproveitei, obviamente, os meus connects por entre o povo mertolense para ficar alojado em casa de amigos e, mais particularmente, na selva de livros e outros elementos de armazenamento de informação que é o quarto do Tó.
Dia 5 alas que se faz tarde, bora pó campo. O local do estudo era o terreno da mina Neves - Corvo (entre Mértola e Almodôvar) e alguns terrenos circundantes. Já que na mina a preocupação com a segurança estava sempre em primeiro plano, então lá ía eu de capacete e colete brilhante de visitante. Os terrenos da mina tinham o típico aroma metálico causado pela indústria mas lá se encontraram algumas aranhas, opiliones e até um solífugo (Gluvia dorsalis, claro, o único que existe em Portugal). Depois de almoço saímos dos pontos dentro dos terrenos da mina e andamos no típico montado de azinheira presente naquela região. Já era de noite quando consegui com sucesso encontrar uma toca de Iberesia machadoi, uma buraqueira de porte considerável. Depois de escavada a toca, lá consegui tirar a ocupante cá para fora, era uma brutal fêmea adulta!
Cheguei a casa dos Matos já por volta das 9 e tal, mas ainda tive tempo para ver o Benfas a dar 2 ao Everton. Agora o próximo passo era recuperar um pouco para o segundo dia, que prometia ser mais intenso que este.
Neste dia fiquei a saber também acerca de um elemento linguístico do dialecto local relacionado com a aracnologia, "ana-clara" (ou anaclara?). Ora, o que é uma "ana-clara"? Dizem as vítimas de sua picada quando chegam ao centro de saúde de Mértola ao médico "Olhe, fui mordido por uma ana-clara." O nome científico de uma ana-clara é Buthus ibericus, e é na verdade o mesmo que lacrau, ou escorpião. Apesar de dolorosa, a sua picada não evolui para nada mais grave do que uma dor intensa nas horas seguintes à picada.
Dia 6, toca a acordar às 7 de la matina para ir para o campo a horas decentes. O plano de trabalho foi semelhante ao do dia anterior, mais aranhas e opiliones e mais 3 tocas de Iberesia escavadas, (com sucesso em remover o ocupante em bom estado apenas numa delas) e ao final do dia uma dose de cansaço considerável, pois como andei o dia quase todo a olhar para o chão, de cócoras ou de joelhos, em busca de tocas de buraqueiras e a virar calhaus, estava com uma dor de costas jeitosa.
Bem, findado o trabalho de campo, era ir dormir que amanhã a viagem era longa, já que o Tó me convidou para ir ao rasganço dele à velha Coimbra. Ainda o tinha que o ir buscar a Évora, e ainda andei às voltas com o carro em ruas brutalmente estreitas, mas correu tudo bem.
E pronto, este relato de trabalho de campo no Alentejo profundo acaba aqui, pois chegados à noite de Coimbra, nada do que se passou depois tem algo minimamente a ver com o que acabei de escrever (2 fulanos nús a correr pela cidade, diga-se...).

Uma última nota acerca do grande dialecto local de Mértola, que tem mais dois termos relacionados com a aracnologia:

Tiaça » teia de aranha
Cavalão » Pholcus phalangioides ou vulgarmente, um aranhiço (aquelas aranhas de patas compridas e corpo pequeno), julgo que também se pode aplicar a opiliones...

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